Já ouviu falar em Cru Bourgeois? Bordeaux produz mais de 500 milhões de litros de vinhos anualmente. Além disso, são mais de 6 mil châteaux, que cultivam cerca de 110 mil hectares de vinhas, espalhadas por mais de 60 diferentes denominações de origens. Não é fácil navegar por este vasto universo sem cair em furadas. Hoje vamos falar aqui da Famille Bouey, o melhor custo-benefício do Médoc.
As classificações de Bordeaux nasceram justamente para atuar como um referência de qualidade (e preço) para comerciantes e consumidores. A mais conhecida classificação de Bordeaux (e provavelmente do mundo) é a dos Cru Classé, de 1855, feita à mando de Napoleão III para a Exposição Mundial de Paris.
Porém a classificação de 1855 contemplava apenas 61 produtores de Bordeaux. Havia uma série de outros bons produtores que não podiam contar com uma ferramenta tão importante para o mercado de vinhos.
Assim, em 1932, os châteaux do Médoc (margem esquerda do estuário do Gironde), a mesma macro-região onde está grande parte dos Cru Classé, se organizaram para criar uma classificação própria: a de Cru Bourgeois.
O nome é inspirado pelo status dos proprietários destes châteaux com menor repercussão, que eram burgueses mas não pertenciam à nobreza e, supostamente, por essa razão ficaram de fora da classificação de 1855. Seguindo o modelo da margem esquerda, a Cabernet Sauvignon é a estrela, com participação importante da Merlot. Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec ocupam posições secundárias nos assemblages. Os Cru Bourgeois não incluem vinhos brancos em seu ranking.
A primeira classificação Cru Bourgeois
A primeira classificação Cru Bourgeois abrigou 444 châteaux do Médoc. Para submeter os vinhos, o château devia estar sediado em uma das oito comunas do Médoc (Médoc, Haut-Médoc, Pauillac, Margaux, St-Estèphe, St-Julien, Listrac e Moulis) e o principal critério para o ranqueamento foi uma degustação às cegas dos vinhos. Os vinhos foram divididos em 3 níveis hierárquicos: Cru Bourgeois, Cru Bourgeois Supérieur e Cru Bourgeois Excepcionnel. Hoje são 249 châteaux dentro dessa classificação, sendo 179 Cru Bourgeois, 56 Cru Bourgeois Supérieur e 14 Cru Bourgeois Exceptionnel. São 4.100 hectares classificados.
A classificação de Cru Bourgeois passou por revisões em 1966, 1978, 2003, 2008, 2015 e 2020. A principal prova para o ranking hoje consiste em uma degustação vertical das 5 safras mais recentes de cada vinho, para analisar, além da qualidade, a consistência de cada vinho ao longo do tempo.
Na prática, são vinhos que entregam tipicidade, a um preço menor que os pedidos pelos “Cru Classé” e que tendem a ficar prontos antes que esses grandes exemplares da região. À mesa são vinhos que pedem por carnes vermelhas ou cogumelos como protagonistas dos pratos. Queijos curados no estilo parmesão também são grandes companheiros de Cru Bourgeois cujos taninos já estejam amaciados pelo tempo.
Desde 1821 cultivando vinhedos em Bordeaux, Médoc, a Famille Bouey ampliou seus domínios no século XIX, quando criaram uma empresa de comercialização e distribuição de vinhos de Bordeaux. A rede de contatos e respeito conquistado por serem de uma família que vem da cultura do campo, de manejo de vinhedos, os posicionou com vantagem em relação as outras famílias que eram apenas negociantes e comerciantes de vinhos.
Hoje a Famille Bouey, além da empresa de distribuição de vinhos possui seis châteaux em Bordeaux, mais exatamente no Médoc, na margem esquerda do estuário do Gironde, terra dos mais premiados e reconhecidos vinhos bordaleses que têm como base a Cabernet Sauvignon.
Mais que consultoria, os Bouey comentam que possuem uma sociedade e amizade com Stephane Derenoncourt, um dos consultores enólogos mais requisitados em Bordeaux e conhecido por respeitar o estilo e terroir de cada château.
Lestruelle, no perfil do Médoc
Um dos châteaux pertencentes à Famille Bouey é o Lestruelle, classificado como Cru Bourgeois. A propriedade adquirida em 1998 possui 22 hectares de vinhedos, divididos em nada menos que 25 parcelas, onde cada uma é tratada e vinificada separadamente. O solo segue o perfil normalmente encontrado no Médoc, com cascalhos e areia na superfície e argila e calcário nas camadas mais profundas.
A idade média das videiras é de 25 anos, com algumas parcelas que possuem plantas com 65 anos de idade. Para conseguir expressar essas nuances de terroir as vinhas são tratadas de forma sustentável (lutte raisonée).
Feito com predomínio da Merlot (80% Merlot e 20% Cabernet Sauvignon), o assemblage do Château Lestruelle explica seu estilo macio e redondo, que não pede muito tempo de guarda para arredondar seus taninos. Apenas 10% de barricas novas são utilizadas nos 12 meses de amadurecimento do vinho, um dos protocolos definidos por Derenoncourt para chegar ao estilo moderno, limpo e com foco na fruta do Château Lestruelle. Especialmente em uma safra considerada excelente na região, o Château Lestruelle é capaz de evoluir na garrafa por mais de uma década.
Uma abordagem mais fresca e sem madeira é o Lestruelle de Château Lestruelle. A mescla de Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc vem dos mesmos vinhedos do vinho principal do château, tratados de forma sustentável e vinificados sob supervisão de Stephane Derenoncourt. Uma abordagem mais descontraída do estilo Lestruelle e sem perder a tipicidade de Bordeaux.
Amanda Camilotti, sommelière e responsável pela seleção dos vinhos da Mosto Flor, indica estes vinhos da Famille Bouey, aqui.